Caro leitor, extraí esse trecho do romance Helena, uma das obras de Machado de Assis escritas em seu período romântico, antes de se consagrar como um autor realista:
“Os espíritos, disse ele, nascem condores ou andorinhas, ou ainda outras espécies intermédias. A uns é necessário o horizonte vasto, a elevada montanha, de cujo cimo batem as asas e sobem a encarar o sol; outros contentam-se com algumas longas braças de espaço e um telhado em que vão esconder o ninho. Estes eram os obscuros, e, na opinião dele, os mais felizes. Não seduzem as vistas, não subjugam os homens, não os menciona a história em suas páginas luminosas ou sombrias; o vão do telhado em que abrigaram a prole, a árvore em que pousaram, são as testemunhas únicas e passageiras da felicidade de alguns dias. Quando a morte os colhe, vão eles pousar no regaço comum da eternidade, onde dormem o mesmo perpétuo sono, tanto o capitão que subiu ao sumo estado por uma escada de mortos, como o cabreiro que o viu passar uma vez e o esqueceu duas horas depois.”
Este pequeno texto nos apresenta um ensinamento profundo, condensando em algumas linhas a experiência acumulada da humanidade a respeito das diferenças naturais e sociais entre as pessoas.
Há indivíduos que, representados pelos condores, almejam horizontes amplos, buscam as alturas e frequentemente se tornam o centro das histórias luminosas ou sombrias da humanidade. Mas também há pessoas que se assemelham a andorinhas, criaturas que encontram alegria no pequeno espaço, no conforto do ninho, sem ansiar por vastidões ou glórias.
Machado descreve os “obscuros” como os mais felizes. Eles passam pela vida sem os fardos da ambição desmedida, sem a pressão de conquistar os picos mais altos, mas também sem o reconhecimento que os condores muitas vezes buscam. No entanto, tanto uns quanto outros encontram o mesmo destino: o “regaço comum da eternidade”.
Reflexão Sobre Felicidade e Propósito
Essas linhas nos convidam a refletir sobre nossos próprios sonhos e objetivos. Vivemos em uma época onde a ideia de sucesso está intrinsecamente ligada a conquistas externas: um cargo prestigioso, uma conta bancária volumosa, viagens constantes ou a aquisição de bens materiais. Sentimos uma pressão constante para seguir um caminho que talvez não seja o nosso.
Às vezes, é difícil admitir que não temos o perfil de condor. Talvez sejamos felizes como andorinhas, encontrando significado em pequenos momentos, na simplicidade da vida. O problema é que, quando tentamos seguir o caminho que não nos pertence, o resultado pode ser ansiedade, frustração e uma constante sensação de insuficiência.
A Literatura como Refúgio
Quando estou cansado de lidar com essa pressão, encontro refúgio em trechos como o de Machado de Assis. Não porque eles trazem soluções fáceis, mas porque oferecem perspectiva. Eles nos lembram que a felicidade não é universal nem padronizada. O que é felicidade para um pode não ser para outro. Mais do que isso, nos fazem lembrar que não precisamos ser tudo o que o mundo espera de nós.
Conclusão
Os condores e as andorinhas podem ser igualmente felizes, desde que cada um respeite sua natureza. Forçar-se a ser algo que não se é resulta em infelicidade, frustração e sofrimento. Portanto, cabe a cada um de nós entender qual é o nosso caminho. Como Machado conclui, no final, todos pousaremos no regaço comum da eternidade. Até lá, o importante é viver de forma autêntica e plena.